Flexibilização da CLT exige RH com perfil estratégico e negociador
16/07/2018
Recentemente uma concessionária de serviços públicos solicitou à consultoria Grant Thornton, especialista em pequenas e médias empresas, uma proposta para a realização de um estudo sobre a implantação da reforma trabalhista nas diversas empresas do grupo. Na avaliação da consultoria, esta é uma análise que a companhia dificilmente concluiria sozinha e na agilidade necessária. Afinal, a nova legislação trouxe mais de uma centena de alterações na septuagenária Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a empresa de concessões atua em 49 municípios e conta com cerca de 900 funcionários de distintos perfis.
Este é um exemplo da demanda que cresceu entre consultorias, contadores e advogados desde a aprovação da reforma trabalhista. “O escopo é, fundamentalmente, analisar todas as alterações e verificar o impacto financeiro e organizacional do que é aplicável de fato para cada empresa. As alterações podem representar redução de custos ou até mesmo acréscimos, já que nem tudo da nova lei é facultativo”, explica Alberto Procópio, da Grant Thornton.
A busca de ajuda está relacionada à complexidade do trabalho. “O primeiro passo para implantar as mudanças é entender as regras e os riscos. É um grande desafio, porque a nova lei é contrária a tudo que foi apregoado até agora”, diz a advogada Renata Armonia, do escritório FCR Law.
Para o empregador, um ponto de atenção sobre o futuro é o preparo do departamento de RH para a nova fase. “As empresas vão precisar analisar o perfil do profissional da área. A lei, que até agora era rígida, terá uma grande margem de manobra para ser aplicada. Com a valorização do negociado, o RH terá que ser mais estratégico e apto a negociar e precisará se comunicar melhor”, avalia Fagner Fabrício, especialista da empresa de outsourcing Propay.
Ele destaca que, se antes o RH necessitava apenas estar atento à legislação e o escopo de trabalho se resumia em assegurar o cumprimento das normas, com a flexibilização o RH terá que, além de avaliar quais as regras que irão promover maior produtividade para o modelo de negócio, gerenciar toda a documentação envolvida e verificar constantemente o impacto para diferentes perfis de colaboradores. “O RH terá que ser mais analítico e proativo.”
Segundo Fabrício, principalmente para colaboradores com salário cujo valor é superior a duas vezes o teto da Previdência, atualmente em R$ 11.062,62, o negociado poderá ser praxe e deverá exigir muito mais atenção. “É o caso de cargos-chave, como diretores e gerentes, que poderão ter pacotes de benefícios diferenciados dos demais. Ao mesmo tempo, para o corpo médio de colaboradores, é preciso definir o que implantar de uma forma mais padrão, já que uma empresa com 400 empregados, por exemplo, não poderá ter uma profusão de regras”, destaca.
Mesmo que, em um caso hipotético, todas as alterações de regras fizessem sentido financeiro para uma companhia, especialistas avaliam que nem todas seriam aplicadas no curto e médio prazos, até porque o que faz muito sentido para um departamento – como trabalho remoto – não fará para outro. “Certa padronização é fundamental para que a nova situação da empresa seja gerenciável, já que precisamos garantir as boas práticas e os menores riscos, para zelar pela boa gestão”, afirma.
Renata, do escritório FCR Law, ressalta que a complexidade das alterações exige um diagnóstico que envolva tanto o departamento de RH quanto o jurídico e, em algumas situações, também o departamento financeiro. Segundo a especialista, nas empresas de menor porte ou em companhias que atuam com serviços terceirizados, será necessário contratar esse serviço. Procópio, da Grant Thornton, concorda. “A análise e o gerenciamento das mudanças vão exigir muito mais da área, em especial para empresas menores, que contam com departamentos enxutos”, pondera.
Para Celso Bazzola, consultor em recursos humanos e diretor executivo da BAZZ Estratégia e Operação de RH, flexibilizar alguns critérios de negociação pode aumentar o ganho pelo resultado. Segundo ele, a reforma trabalhista é importante para a modernização da área de recursos humanos das empresas e para suportar momentos de instabilidade econômica, possibilitando acordos compatíveis com a necessidade do mercado.
Ele destaca, no entanto, que os departamentos de RH deverão analisar com muito cuidado as ações que serão tomadas a partir desse momento. “As negociações devem estar focadas além do simples desejo de obter vantagens na relação, criando mecanismos de sustentabilidade desse acordo. Entendo que existe uma interdependência nas relações para o equilíbrio econômico e garantia de ganhos e lucros.”
É preciso avaliar os riscos de implementar antes da concorrência
Para o especialista da Propay, por hora, o mercado ainda não está se preparando aceleradamente para as alterações. “Ainda estamos na fase de diagnóstico. As pequenas e médias empresas devem seguir as estratégias das maiores, e as maiores ainda estão entendendo e analisando as mudanças. Não vejo muita gente querendo sair na frente”, conta. “Temos grupos questionando a constitucionalidade da nova lei, e esse tema é muito sensível, com alguns dispositivos ambíguos. Por isso, é muito arriscado fazer mudanças logo após a aprovação”, acrescenta.
A advogada Maria Rosário Rocha, também do escritório FCR Law, destaca que a lei trouxe mudanças e regras que não são autoaplicáveis, mas algumas alterações pontuais poderão ser adotadas rapidamente. Segundo ela, um ponto de rápida adoção e que deverá ter forte impacto na produtividade é a criação de premiações e bônus, facilitando a criação de políticas que promovam a meritocracia. “A nova lei facilita a aplicação de prêmios, já que anteriormente o benefício era vinculado ao salário e isso não era passível de revisão, se configurando como direito adquirido.”
Para a especialista, a medida deve melhorar o desempenho dos departamentos de vendas, já que prêmios e bônus são os mecanismos mais eficazes para melhorar a produtividade. “Antes estes benefícios podiam ser concedidos, mas havia vários riscos trabalhistas envolvidos”, acrescenta.
Claro que, mesmo de fácil adoção, há certos cuidados que deverão ser mantidos pelos departamentos de RH. “O pagamento de bônus depende da forma, periodicidade e características do executivo. Na Justiça, ele pode dizer que não recebeu corretamente ou que foi criada outra expectativa. Além de um contrato bem-feito, é preciso comprovar que tudo foi pago corretamente e calculado conforme prometido”, completa Fabrício.
Para Procópio, da Thornton, outra medida que terá rapidamente impacto nos custos das empresas é o cálculo de horas extras. Uma das alterações é que o tempo gasto no percurso para o trabalho de empresas de localização de difícil acesso deixará de ser computado como hora trabalhada. Segundo o advogado Fernando Damini de Oliveira, o tempo gasto pelo empregado para a troca de uniforme – quando a mudança não ocorrer por determinação da empresa – também não será considerado à disposição do empregador, deixando de ser remunerado. O mesmo ocorre em relação a outras atividades, como higiene pessoal. Outro ponto relevante para alguns segmentos é a regulamentação da jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso. Antes, o funcionário nesta jornada recebia hora extra quando sua jornada caía em um feriado. Com a nova lei isso não vai mais acontecer. “Será sorte ou azar do funcionário.”
A legislação também conta com outras alterações de fácil implantação e potencial de grandes ganhos. Renata, do escritório FCR Law, destaca o trabalho remoto. A regulamentação vai permitir que funcionários de algumas áreas atuem a distância, postergando, eventualmente, investimentos na expansão física do negócio. “É uma mudança positiva, por exemplo, para empresas de corpo de vendas proativo. O brasileiro até tentou fazer home-office, mas isso ainda não deslanchou”, diz ela.
Um dos pontos mais polêmicos da nova legislação é o contrato de trabalho intermitente, no qual a prestação de serviços com subordinação não é contínua. Ele é caracterizado pela alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.
Enquanto a Medida Provisória sobre o assunto não é publicada, tudo indica que a adoção do mecanismo não irá prever restrições nem salvaguardas para trabalhadores, como ocorre em países como Alemanha, Itália e Portugal. Neste último, há uma compensação pelo período de inatividade, limite de idade e até mesmo duração do contrato de trabalho – permitido apenas por 440 dias a cada três anos com o mesmo empregador. Em Portugal, por exemplo, o empregado deve ser avisado com prazo mínimo de 20 dias de antecedência.
O especialista da Thornton descarta que o mecanismo seja usado, por exemplo, por restaurantes dispostos a utilizar o mesmo colaborador durante o almoço e o jantar, com maior intervalo, precarizando a relação. “Isso descaracterizaria o trabalho intermitente”, opina. Renata, do escritório FCR Law, destaca que no ramo hoteleiro são mais utilizadas as figuras do autônomo e do cooperado e que exemplos de áreas que poderão utilizar o mecanismo são bufês e profissionais de finanças e contabilidade, que têm acúmulo de serviço em períodos específicos.
Depois de tudo analisado, simulado, negociado e comunicado, restará ainda fazer com que os sistemas de apoio ao RH atendam às novas necessidades. Fabrício, da Propay, destaca que a maior parte das empresas, inclusive as de menor porte, atua com sistemas informatizados para a gestão de pessoas. “Só empresas que atuam com um funcionário ainda usam o Excel.”
Desde a aprovação da reforma, a empresa de sistemas LG lugar de gente, uma das maiores do ramo, tem recebido contatos de clientes procurando entender melhor o impacto das alterações trabalhistas em produtos. Segundo Sáttila Silva, gerente de planejamento, a empresa está estudando os impactos e as alterações necessárias para fazer esses ajustes necessários e já diagnosticou as mudanças necessárias nos processos de férias e desligamento.
Ele diz que, como as alterações preveem uma maior flexibilidade na negociação entre empregado e empregador, cada cliente deverá avaliar como ele adotará as medidas, ou seja, quais serão os impactos na sua política de gestão de RH. Caso alguma especificidade não esteja contemplada de forma explícita na legislação, as customizações serão cobradas à parte.
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